Modelos, teorias, dados e analogias

Referência textual

GIERE, R. “Using models to represent reality”, in: MAGNANI, L.; NERSESSIAN, N. J. & THAGARD, P. (eds.). Model-Based Reasoning in Scientific Discovery, pp. 41-57. New York: Kluwer / Plenum, 1999. Texto disponível no site da disciplina.

Para esta semana, lemos o restante do artigo (pp. 51–57), em que Giere elabora sua visão representacional dos modelos, introduzida na aula anterior.

Modelos teóricos

Neste artigo — ao contrário de trabalhos anteriores (Giere 1988) — Giere trata modelos teóricos como uma classe especial de modelos abstratos: aqueles construídos com base no que o autor chama de princípios teóricos, como as Leis de Newton ou o Princípio da Seleção Natural.

Para Giere, a discussão sobre se as Leis de Newton (por exemplo) devem ser entendidas como definições/convenções ou como afirmações empíricas parte de uma questão defeituosa que pressupõe que essas leis são afirmações que devem ser verdadeiras ou falsas.

A discussão pode ser refraseada em torno do conceito de corpo: um corpo é uma entidade física ou um objeto abstrato que é definido como algo que satisfaça as três leis do movimento e a lei da gravitação? Neste último caso, torna-se possível a exploração de características de tal modelo teórico como um exercício matemático. Já no primeiro, tem-se um modelo de um sistema real em particular, e as leis podem servir de ponto de partida para afirmações empíricas sobre este sistema.

Discussão em sala a respeito da circularidade nesta discussão: na visão abstrata, corpo é definido como algo que satisfaz as leis…que são expressas em termos de corpos.

Giere propõe que entendamos a formulação newtoniana da lei da gravitação como uma definição, e não como uma generalização empírica, trazendo dois pontos como apoio a esta visão:

  1. Os corpos newtonianos são massas pontuais, mas qualquer objeto com massa (no sentido clássico do termo) tem alguma extensão, o que aponta para o caráter abstrato e, portanto, definicional aqui presente;
  2. Não é possível obter evidência direta para as leis como generalização empírica, dados os problemas analíticos na generalização para o problema de três corpos; em vez disso, o que se tem é o uso de hipóteses simplificadoras que criam modelos dos sistemas que apresentam uma similaridade imperfeita com eles.

Modelagem matemática

Muitos modelos matemáticos são construídos sem que se haja princípios gerais para pautar tal construção; em vez disso, são usadas técnicas matemáticas de acordo com as demandas da situação. Como exemplo, Giere contrasta o uso de modelos exponenciais e logísticos para modelar o crescimento de populações orgânicas a modelos de mudança na frequência de genes em uma população, que são informados por uma perspectiva teórica específica.

A ideia de que os modelos de crescimento de população são modelos e não descrições exatas é evidenciada pelo fato de que geralmente são usadas variáveis contínuas, o que não faria sentido do ponto de vista de indivíduos discretos mas fornece boas aproximações.

Modelos e teorias

Mary Morgan e Margaret Morrison (1999, Models as Mediators) sustentam que modelos devem ser entendidos como agentes relativamente autônomos que operam na região entre dados e teorias. Essa visão, para Giere, ilumina vários usos dos modelos na ciência, mas não diz muito sobre o que são modelos ou teorias, apesar de parecerem abraçar a visão de teorias como conjuntos de afirmações e modelos como entidades linguísticas que podem até chegar a ser teorias se refinados o bastante.

Para Giere, a distinção correta entre modelo e teoria é principalmente um reflexo de até que ponto um campo de investigação é guiado por princípios gerais amplos. Quando estes princípios são comuns, os modelos partem deles; caso contrário, modelos são construídos a partir de várias técnicas matemáticas. Mas, em ambos os casos, raciocionar sobre o mundo é, sobretudo, raciocinar com modelos.

Discussão em sala

Modelos se distinguem das teorias, nesta concepção, em relação à sua profundidade explicativa (explanatory depth): teorias têm pretensão de fornecerem imagens de natureza, que incluem também noções ontológicas de fundo, ao passo que os modelos têm uma desenvoltura maior, podendo estar compromissado com ontologias diversas e potencialmente contraditórias entre si.

Modelo como elo intermediário (mediador) entre a generalidade da teoria e a concretude da aplicação em um quebra-cabeça específico.

Ao ver teorias e modelos em um contínuo, mas rejeitar a visão de modelos como algo semântico, Giere sinaliza para a visão de que teorias também são estruturas não-linguísticas, ainda que expressas pela linguagem.

Modelos e Dados

Suppes (1962, Models of Data): modelos de alto nível não são comparados diretamente com os dados, mas sim com modelos de dados que estão em nível abaixo em uma hierarquia de modelos.

Woodward (1989): teorias explicam — e são testadas por — fenômenos e não pelos dados, e fenômenos são construídos dos dados, por exemplo a partir de técnicas estatísticas.

O movimento de raciocínio a partir de um modelo de alto nível não seria na direção de predições sobre os dados, mas sim de predições sobre um modelo possível dos dados, a partir do qual se avaliará a adequação do modelo de alto nível ao mundo.

Modelo do experimento entre os modelo de dados e o modelo de alto nível que será testado por ele.

TO-DO: Fazer figura que capture a hierarquia Princípios Teóricos > Modelos Teóricos > Modelos de Experimentos > Modelos de Dados > Dados

Modelos e analogias

A visão representacional de modelos oferece uma explicação sobre a analogia distinta daquela oferecida pela visão instancial.

Quando lidam com um fenômeno novo, cientistas contam com um repertório de fenômenos já conhecidos e de modelos que se encaixam a estes fenômenos. Com base nesse conhecimento prévio, cientistas podem buscar fenômenos conhecidos que sejam similares em vários aspectos ao fenômeno desconhecido, e então adaptar os modelos dos fenômenos análogos a este novo fenômeno, operação que pode trazer novos insights, mas apenas como sugestão que requererá confirmação independente.

Conclusões

Giere fecha o texto estabelecendo um contraste entre os modelos instanciais e os modelos representacionais. Modelos instanciais, nos quais há relações diretas de referência e verdade entre expressões linguísticas e objetos, funcionariam bem nas ciências formais, mas não para objetos físicos, cujas naturezas e relações não são tão bem-definidas.

Numa concepção representacional de modelos, a linguagem se conectaria não com o mundo mas com um modelo, cujas características podem ser definidas de forma precisa. A conexão da linguagem com o mundo se daria, então, por similaridade entre o modelo e partes do mundo.

Discussão em sala

Necessidade de se distinguir entre dois registros. Primeiro, temos o registro metodológico de discussão das dimensões relacionadas ao desenvolvimento da ciência, no qual o ponto de Suppes é praticamente trivial: mesmo as rupturas (como as divergências do modelo de Bohr em relação à teoria clássica) são expressas em teoria de conjuntos. Outra discussão é no registro estrutural, em que mesmo para se dizer que duas estruturas não têm nada a ver entre si se recorre ao modelo no sentido suppesiano, até quando se fala dos modelos mais escandalosamente ad hoc.

Linguagem de estruturas permite o mapeamento de controle de versão de teorias, o que a metateoria estruturalista faz a partir de várias relações interteóricas.

A partir de 2010: discussão sobre como encaixar estruturas de valor e outros elementos na reconstrução formal da metateoria estruturalista.

Researcher, Law and Artificial Intelligence

Currently researching the regulation of artificial intelligence at the European University Institute.