Teoria do Conhecimento e Filosofia da Ciência III

Sobre o curso

Página da disciplina.

Neste semestre, o programa da disciplina girará em torno da noção de modelo, dos conceitos de modelo em filosofia da ciência. No ano passado, este programa foi implementado em Filosofia da Ciência IV, mas interrompido prematuramente pela greve.

Primeira parte do programa tratará de uma acepção de modelo, e a segunda, de outra. Ao longo do curso, buscaremos esclarecer as relações entra ambos.

Avaliação

Seminário e trabalho escrito.

Seminários

Seminários serão 1:30–2:00 de exposição. Haverá uma introdução e algumas intervenções de Valter, e então discussão mais ampla.

Formato de exposição é aberto.

Valorização do contraponto com outras referências, mesmo que de forma sucinta. Foco deve ser o texto, mas não evitar parênteses relevantes, tanto em termos de referências feitas pelo autor quanto de diálogos interessantes, sejam eles os mais imediatos em filosofia da ciência, sejam eles ligados às áreas de origem de cada um.

Trabalhos escritos

Escolha entre dois temas a serem fornecidos pelo professor. Trabalho monográfico porém breve, não muito mais de 8 laudas de texto.

Um tema um pouco mais teórico, de fundamentos, e outro com perfil mais histórico, diacrônico.

Calendário de seminários

Os textos são abordados em mais detalhes no final deste post.

DataTextoTrechosResponsável
19/08Suppespp. 17–27 (seções 2.1 e 2.2)Luís Roberto
26/08Suppespp. 27–35 (seção 2.3)Franklin
09/09Giereseções 1–7Eliakim
16/09Giereseções 8–13Jullian
23/09Bailer-Jonesseções 1 e 2Fabio
30/09Bailer-Jonesseção 3Thales
07/10Bailer-Jonesseções 4 e 5Henrique
14/10Bezerrapp. 585–600Almada
21/10Moulinesseções 1–4Bruno
28/10Moulinesseções 5–7Maira
04/11Lorenzanoseções 1–5William
11/11Lorenzanoseções 6 e 7

Modelos

Sobre a noção de modelo: “não sei bem o que dizer, só sentir”

O feeling de Bezerra é que a noção de modelo, em suas várias acepções, traz uma chave interessante para falar da filosofia da ciência.

Trará duas famílias de noções de modelos que abordam a noção de formas distinntas, mas que podem ser entendidas como complementares de uma forma bem precisa.

Do final do século XIX até meados do século XX, prevaleceram imagens filosóficas do conhecimento científico que valorizavam a noção de teoria. Conhecimento científico seria expressado em forma de teorias, que eram formuladas em resposta a uma longa tradição de (um ideal de) sistematização dedutiva. Decisões científicas seriam decisões sobre teorias, explicação científica seria fornecida em termos de teorias científicas. Teorias como portadoras do conhecimento científico e os objetos da atividade científica, abrigando em seu bojo as leis científicas. Em suma, a unidade epistêmica prioritária do conhecimento científico seriam as teorias.

As narrativas históricas em torno da ciência também eram construídas em termos de teorias científicas. História da ciência como história de mudanças, sucessões e abandono de teorias científicas, pouco usando o termo “modelo” até meados do século XX (exceção: discussão de Boltzmann).

A ênfase nas teorias reflete um insight de Duhem (fim do século XIX) a respeito das leis científicas: leis científicas não existem num vácuo, não estariam (na maioria dos casos) avulsas no panorama científico, mas são tratadas no bojo das teorias.

Nas ciências, em particular na física, já nos meados dos anos 1950 há uma ampla discussão dos modelos científicos, mas a discussão na história e na filosofia das ciências continuava a discutir em termos de modelos.

Transformações do pensamento na filosofia da ciência a partir dos anos 1950, mas que eclodiu na década de 1960. Três grandes viradas afastando-se de uma concepção “teoria-cêntrica” de filosofia da ciência:

  • virada historiográfica;
  • virada sociológica: influxo em especial da sociologia do conhecimento. Pensar filosófico sobre a ciência não poderia deixar de levar em conta as dimensões sociais do conhecimento;
  • virada linguística: implicações da expressão do conhecimento científico em linguagem (que é uma dentre outras possíveis expressões).

Cada uma dessas viradas produziu uma ampla variedade de abordagens de filosofia da ciência, com enfoques e graus de radicalidade distintos. Além disso, não são abordagens mutuamente excludentes: é possível indicar veios das três viradas, por exemplo, em Thomas Kuhn.

Um efeito destas viradas é a problematização das noções de progresso científico e racionalidade científica. Mesmo autores que retomam estes conceitos o fazem de modo distinto do que prevalecia nas concepções centradas em teorias.

Uma outra implicação das viradas, que talvez tenha recebido menos atenção pelo público, foi o questionamento da tese de que as teorias seriam a unidade epistêmica dominante (central) da ciência. Este questionamento, por sua vez, contribui para que a filosofia da ciência dê mais atenção para a noção de modelo, dentre outros construtos e unidades epistêmicas que passam a ganhar relevância com a perda da centralidade das teorias científicas. Há uma diversificação do “zoológico” das unidades epistêmicas: às teorias juntam-se não só os modelos,1 como as analogias — já muito estudadas desde a Antiguidade, mas que não encontravam espaço em uma visão centrada em teorias2 —, as metáforas, os valores presentes na atividade científica, e as macroteorias — que são estruturas de maior porte que as teorias individuais, usadas para articular o entendimento de fenômenos,3 dentre outras. Tendência ao pluralismo de unidades epistêmicas, o que leva à questão de como estes múltiplos entes são articulados.

Nas próximas semanas, buscaremos entender o que diferencia os modelos das teorias científicas, bem como o rol das relações científicas entre modelos e entre estes e outras unidades epistêmicas.

Dificuldade de pensar a ideia de aproximação dentro da formulação tradicional de teoria.

Duas acepções de modelo

A primeira acepção de modelo a ser abordada no curso, mais próxima à prática científica, entende os modelos como entidades aproximadamente no mesmo nível das teorias, como portadores de conhecimento. Ao longo do curso, usaremos a expressão modelo representacional para designar este tipo de modelo, em uma visão minimalista: modelo como “quase uma teoria”. O que, nesse caso, o distingue de uma teoria?

A segunda acepção de modelo que trabalharemos neste semestre entende o termo “modelo” no sentido da lógica e da metamatemática. Aqui, o modelo não é algo que desempenha uma função cognitiva similar à de uma teoria, mas sim uma interpretação possível de uma estrutura (no sentido Bourbaki). Designaremos este uso como modelo instancial, isto é, o modelo como uma instância de uma estrutura.

Tradução canônica de Set-theoretical é conjuntista.

Leituras centrais

  1. Suppes, Representation and invariance of scientific structures, seções 2.1 a 2.3, em que Suppes apresenta a visão standard sobre teorias científicas e as duas concepções de modelos. Para Suppes, ambas as acepções de modelos são relevantes, mas os modelos instanciais seriam mais fundamentais, possibilitando o entendimento de unidades como os modelos representacionais.
  2. Giere, Using models to represent reality, um texto bem acessível sobre os modelos representacionais.
  3. Bailer-Jones, Tracing the development of models in the philosophy of science. Retrata o pano de fundo histórico descrito na seção anterior, a pluralidade das unidades representativas, e apresenta a distinção entre modelos representacionais e modelos instanciais, enfatizando a primeira categoria.
  4. Bezerra, Estruturas conceituais e estratégias de investigação: Modelos representacionais e instanciais, analogias e correspondência. Trabalha o contraste entre as acepções de modelos, e como pensar a relação teoria–experimento em termos de modelos. Seção 2 pensa analogias em termos de estruturas e de modelos. No seminário trabalharemos a introdução e as duas primeiras seções. Texto servirá como uma transição entre a discussão de modelos representacionais e a discussão de modelos instanciais.
  5. Moulines, The nature and structure of scientific theories. Teorias são entendidos como redes de elementos teóricos constituídos por classes de modelos (instanciais). Discussão será sobre o que isso reflete de mais profundo a respeito da natureza das teorias científicas. Escola da metateoria estruturalista se põe como uma realização da visão conjuntista de Suppes. Texto do Moulines aparece como uma síntese do programa da metateoria estruturalista, que se encaminha para seus 50 anos de existência. Há uma tradução deste texto na revista Perspectivas, publicado pela UFT.
  6. Lorenzano, The semantic conception and the structuralist view of theories: A critique of Suppe’s criticisms. Não confundir Frederick Suppe, autor das divergências abordadas aqui por Lorenzano, com Patrick Suppes, autor do primeiro texto. Neste texto, Lorenzano faz uma reafirmação e esclarecimento de muitas das teses da metateoria estruturalista.

Stegmüller faz uma oposição entre statement view (visão enunciativa) e non-statement view (visão não-enunciativa) de teorias.

Metateoria estruturalista como uma abordagem fecunda para fazer história da ciência, em especial fornecendo recursos para pensar processos históricos de forma diacrônica, mostrando evoluções temporais.

Leitura sugerida, mas não obrigatória do curso: LA ESTRUCTURA DE LAS REVOLUCIONES KUHNIANAS. María Caamaño Alegre.


  1. Boltzmann e o verbete de “modelo” na Encyclopaedia Britannica, em que sugere já no início do século XX uma filosofia da ciência que dá mais atenção aos modelos. ↩︎

  2. Formulação canônica de teoria na primeira metade do século XX: sistemas axiomáticos parcialmente interpretados, formulados em linguagem dedutiva de primeira ordem. ↩︎

  3. e.g. o paradigma em Kuhn como unidade epistêmica central, com um uso quase que residual de “teoria”. ↩︎

Researcher, Law and Artificial Intelligence

Currently researching the regulation of artificial intelligence at the European University Institute.