Usando modelos para representar a realidade

Referência textual

GIERE, R. “Using models to represent reality”, in: MAGNANI, L.; NERSESSIAN, N. J. & THAGARD, P. (eds.). Model-Based Reasoning in Scientific Discovery, pp. 41-57. New York: Kluwer / Plenum, 1999. Texto disponível no site da disciplina.

Para esta semana, lemos as sete primeiras seções do artigo (pp. 41–51), em que o autor descreve a visão de Suppes sobre modelos instanciais e os motivos que levam Giere a discordar da adequação desta visão, propondo em vez disso um papel representacional para modelos.

Introdução

Giere aponta para um interesse recente (para um artigo publicado em 1999) no papel dos modelos na ciência, destacando um workshop sobre raciocínio baseado em modelos.

Objetivo da apresentação de Giere é desenvolver uma interpretação unificada a respeito da natureza e do papel dos modelos na ciência, relacionando com outros elementos, em especial teoria, dados, e analogias. Giere reconhece a validade de outras interpretações, mas afirma que a sua tem algumas vantagens.

O tratamento dado aos modelos lhes atribui um papel central na construção de descrições científicas do mundo.

Teoria de modelos

Patrick Suppes (1960): A comparison of the meaning and uses of models in mathematics and the empirical sciences, apresentando uma visão a partir da teoria lógica de modelos.

Modelos na visão de Suppes são chamados interpretativos, pois o modelo é uma entidade não-linguística que fornece uma interpretação na qual os axiomas da teoria, constituída por enunciados linguísticos, são verdadeiros. Também podem ser chamados de instanciais, pois fornecem instâncias dos axiomas de uma teoria.

Para unificar as noções de modelos em matemática e ciências naturais, Suppes (ou ao menos o Suppes do Giere) sustentava que as entidades dos modelos não precisavam ser apenas as entidades abstratas típicas da lógica, mas em princípio poderiam também incluir objetos físicos, sobre os quais discorreriam os enunciados da teoria.

Giere aponta para um atenuamento do vínculo entre a lógica e a teoria dos modelos, hoje focada diretamente em estruturas matemáticas abstratas e não-linguísticas, e não só nas interpretações das estruturas linguísticas de que se ocupava Suppes.

A visão de Suppes, no entanto, permanece (ou permanecia à época) como a leitura padrão do papel dos modelos na ciência, estabelecendo uma relação entre teorias (conjuntos de axiomas) e modelos (objetos que satisfazem esses axiomas)

Modelos instanciais e analogia

A partir desta visão instancial de modelos, a noção de analogia passa a ser entendida de uma forma específica: fórmulas lógicas sem interpretação podem ser interpretadas a partir de muitos modelos instanciais distintos, cujos elementos serão isomórficos na interpretação em si. Então podemos dizer que esses elementos (e os modelos em si) são análogos entre si, e Giere traz o exemplo da mola, do capacitor e do oscilador mecânico, cuja expressão se dá por um mesmo conjunto de fórmulas abstratas.

Modelos representacionais

Giere não afasta o valor da concepção instancial, mas defende que ela não é a melhor forma de entender o uso dos modelos na prática das ciências empíricas. Para ele, modelos devem ser entendidos não só como uma forma de interpretar sistemas formais, mas como ferramentas para representar o mundo.

Usa a cartografia como exemplo, discutindo as características dos mapas:

  • São objetos físicos e não linguísticos
    • Não faz sentido, de forma geral, dizer que um mapa é verdadeiro ou falso.
    • Ainda que seja possível dar uma expressão linguística aos mapas (e. g., bit-map), isso não é elemento essencial.
  • Mapas são parciais: representam apenas algumas características, em um nível específico de detalhamento
  • Mapas são representações: um objeto com similaridade espacial — ou, no mapa do metrô, topológica — ao objeto representado.

Similaridade versus isomorfismo

Similaridade pode, a primeira vista, parecer uma noção vazia em que cabe tudo. Para evitar um discurso vazio, pode-se dizer quais são (i) os aspectos de similaridade (o que no mapa é similar a algo no território) e (ii) o grau de similaridade em relação a esses aspectos.

Não é possível falar em isomorfismos (ou mesmo isomorfismos parciais), já que nenhum mapa tem precisão o suficiente para falarmos nesse tipo de relação entre pontos do mapa e pontos avistáveis da topografia. Então, teria de se falar em um isomorfismo aproximado, o que não resolveria o problema. Além disso, Giere usa a questão dos isomorfismos para criticar a ideia de que objetos físicos poderiam servir para instanciar fisicamente uma teoria formulada linguisticamente, já que as expressões quantitativas deixariam de valer em algum ponto.

Similaridade como noção dependente de contexto, o que dispensaria uma explicação geral.

Outros modelos materiais

Diagramas são similares aos mapas no sentido de também oferecerem modelos representacionais. No caso de um diagrama de circuitos, a característica relevante é a conexão entre os elementos, não a posição física de cada um.

Modelos em escala se preocupam com similaridades espaciais e estruturais.

Modelos abstratos

A equação $y = ax + b$ é primariamente (mas não só) um objeto linguístico, que Giere chama de modelo matemático puro. O que costumamos chamar de modelo matemático é, na terminologia deste texto, um modelo matemático aplicado, que pode ser construído a partir de um modelo matemático puro ao substituirmos os elementos matemáticos deste por modelos de objetos e relações reais.

Por exemplo, a equação abstrata aqui trazida pode ser usada para criar um modelo de um carro se deslocando com velocidade constante $v$, tendo partido no instante zero de uma posição $d_{0}$. Nesse modelo, a equação é verdadeira, mas não pode corresponder ao movimento de um carro verdadeiro, apenas ser similar até certo ponto.

Uma abordagem possível para que a equação possa ser verdadeira sobre o automóvel real é introduzir fatores de erro, que podem tornar a equação verdadeira em relação a um automóvel real. No entanto, Giere alerta que isso não é a prática científica: as equações são vistas como referindo-se a modelos abstratos, para os quais são verdadeiras, e os fatores de erro são introduzidos apenas depois, como uma especificação da similaridade entre o modelo e o sistema real.

Otávio Bueno retoma o programa de Steven French e Newton da Costa de estruturas parciais e isomorfismos parciais.

Hipóteses

Para Giere, equações com fatores de erro, discutidas ao fim do item anterior, consistem em hipóteses a respeito de um sistema em particular no mundo real: o sistema é similar ao modelo proposto, dentro da margem posta pelos termos de erro.

Giere menciona a possibilidade de generalizar afirmações daquele tipo para cobrir classes de sistemas, seja fornecendo diretamente todos os termos de erros, ou os usando como placeholders para as hipóteses incluídas na generalização.

Researcher, Law and Artificial Intelligence

Currently researching the regulation of artificial intelligence at the European University Institute.